“O Diabo de Cada Dia” – Crítica
O suspense repleto de estrelas não consegue capturar a desgraça poética do romance original de Donald Ray Pollock
A tarefa de adaptar um livro para um longa-metragem não é nada fácil, ainda mais quando se trata de uma obra como “O Mal Nosso de Cada Dia” que segue uma grande quantidade de personagens em enredos e linhas do tempo diversas. Enquanto lia o livro em antecipação para o filme, me questionei dezenas de vezes como seria possível colocar tudo aquilo em um filme de mais ou menos duas horas — cheguei a conclusão que seria uma missão impossível, pelo menos uma das histórias ou alguns personagens teriam que ser cortados. E foi exatamente isso que aconteceu.
O co-roterista e diretor Antonio Campos, por uma questão de clareza, decidiu reduzir tudo à uma única linha do tempo linear e mover subtramas para tentar tornar as coisas mais fáceis para aqueles não familiarizados com a obra original. Certas coisas são omitidas completamente, enquanto outras supérfluas são inclusas, como o envolvimento do xerife local com o crime organizado.
Enquanto o romance abusa do simbolismo e flashbacks para demonstrar tanto sentimentos dos personagens quanto para justificar algumas de suas ações, o filme recorre à uma narração desagradável, fornecida pelo próprio autor do livro. Apesar do material de origem contar com um narrador onisciente, no longa ele acaba ficando maçante, e dá ao filme um elemento cômico não intencional que destoa massivamente dos acontecimentos sombrios na tela. O que é uma pena, já que o romance de Pollock é uma obra-prima de desgraça, entrelaçando as vidas de personagens fascinantes — para não dizer perturbadores — até chegar em um clímax imponente.
O enredo de Willard — representado lindamente por Bill Skarsgård — em particular sofre com essas mudanças, na obra original Pollock é capaz de, em cerca de 80 páginas, contar uma história clara sobre um homem devoto que aos poucos vai se entregando a insanidade, culminando em um final trágico e afetando seu filho para o resto de sua vida. Essa trama sozinha facilmente daria um filme magnifico, porém resumi-lá toda em apenas alguns minutos a torna afobada e ver que a sua cena discutivelmente mais importante nem está no filme deixa um gosto amargo, e faz pensar que Skarsgård foi roubado de entregar uma performance digna de prêmios.
Enquanto isso somos forçados a acompanhar o que parece uma subtrama dispensável por pelo menos metade do filme — os assassinos em série. Todo esse enredo é, sinceramente, uma zona. Nenhum dos personagens envolvidos são devidamente desenvolvidos e muito do que acontece parece apressado e injustificado. O filme prefere mostrar cenas aleatórias (como uma cena de masturbação e um encontro com um fazendeiro qualquer) que não levam à lugar algum, ao invés de gastar esse tempo com os sentimentos e relações entre os persongens. Não é difícil assistir este filme e nunca 100% entender a conexão entre Sandy (Riley Keough), Carl (Jason Clarke) e Lee (Sebastian Stan). Tanto Stan quanto Clarke parecem penar para interpretar seus personagens psicóticos, transformando estes quase em uma caricatura cómica, o que faz a atuação sem inspiração de Keough se destacar positivamente.
Talvez a única maneira se realmente adaptar esse livro seria em uma minissérie de 7 ou 8 episódios, podendo assim trabalhar e construir cada enredo e seus personagens com calma para que quando finalmente tudo se entrelaçar, isso tenha de fato, um peso.
Muito foi falado do elenco repleto de estrelas do filme: Bill Skarsgård, Hayley Bennett, Tom Holland, Robert Pattinson, Sebastian Stan, Mia Wasikowska, Riley Keough, Jason Clarke, Harry Melling e Eliza Scanlen. Infelizmente com seu tempo limitado de tela, torna-se muito difícil para qualquer um deixar uma grande impressão.
Contudo, a atuação de Pattinson como o pastor pedófilo Preston Teagardin é o destaque óbvio. Usando um terno azul bebê e caprichando no sotaque texano, ele entrega uma das melhores cenas do filme — um sermão de dar arrepios — ele nunca foi tão maravilhosamente irritante e assustador. Tom Holland convence como o sisudo e discreto protagonista do filme, Arvin Russell, uma mudança muito bem-vinda em relação ao seu papel como o doce Peter Parker nos filmes da Marvel. Já as mulheres não se saem bem, estando ali apenas para morrer de uma forma horrível ou sofrer na mão de algum homem.
“O Diabo de Cada Dia” acaba se tornando uma cama de gato enquanto tenta resolver todas essas linhas de enredo em pouco mais de duas horas; parece apressado e sofre com tons distintos. Todas as peças de um bom filme estão aqui: ótimo elenco, excelente material de origem, talento nos bastidores. Mas mesmo assim, o que deveria ser uma observação sobre se o filho está condenado a repetir os pecados do pai acaba sendo uma mistura confusa e decepcionante — um conto carregado de melancolia que não nos permite tempo suficiente com qualquer personagem para nos sentirmos chateados quando eles encontram sua morte infeliz.
O Diabo de Cada Dia | |
Roteiro | |
Atuação | |
Fotografia | |
Edição | |
Direção | |
Summary
O roteiro bagunçado e corrido tira o peso da excelente obra original |
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ok
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